“É bom que as pessoas que gostam da gente se acostumem porque eu sou inquieta pra caralho e nunca vou conseguir fazer o mesmo sempre.” Pitty, a autora da frase, começa 2010 já com uma novidade no currículo: dia 13 de fevereiro toca pela primeira vez em um trio elétrico no carnaval de Salvador, dentro do Circuito Osmar. Se isso vai desagradar os fãs xiitas, a baiana parece não estar nem aí.
Foi assim quando lançou no ano passado “Me Adora”, o primeiro single de seu terceiro trabalho em estúdio, Chiaroscuro. Balada fortemente influenciada pelos grupos vocais femininos da Motown, a música causou estranheza em alguns e conquistou outros tantos. Ironia do destino, uma música que contém um semi-desabafo contra a crítica musical foi eleita a 5ª melhor do ano pela revista Rolling Stone – com voto meu, inclusive.
Na entrevista abaixo, feita no finalzinho do ano passado, Pitty admite que está em plena evolução musical, que o último disco traz elementos que a cantora queria usar há muito tempo. Apesar de ainda trazer várias letras fracas, Chiaroscuro representa uma ótima evolução sonora. A cantora aprendeu a trabalhar com as sutilezas, e “Me Adora” é um grande exemplo disso, ao não precisar ser direta para expressar sua mensagem.
É como se a cantora saísse de uma certa adolescência musical que predominava nos primeiros discos, em um amadurecimento claro e que todas as pessoas têm em algum momento da vida, mas que poucas vezes é acompanhado como o dela, uma pessoa pública e que expressa muito de si em suas letras. Acompanhar os próximos capítulos dessa história pode trazer boas surpresas. Quem sabe num futuro não muito distante Pitty consiga processar em um disco completo todas as idéias e a criatividade que fizeram de “Me Adora” uma das grandes músicas de 2009 no Brasil.
(Aproveita e, além da entrevista abaixo, lê a resenha do show de lançamento de Chiaroscuro que eu fiz no iG Música)
No dia do show do lançamento em São Paulo, você falou que várias coisas mudaram entre o segundo e o terceiro discos. Quais foram as principais mudanças?
Essa coisa do tempo, ele vai passando e a gente vai adquirindo coisas novas e descobre novas formas de fazer as coisas. O que eu senti de diferença entre os primeiros discos e esse foi o aprendizado das coisas que vêm com o tempo. Por mais que às vezes eu tivesse vontade de fazer algumas coisas que eu fiz no Chiaroscuro antes, eu nem sabia como chegar naquilo.
Que coisas?
- Eu sempre pirei muito em coros, sempre gostei muito de blues e jazz, e aqueles coros meio Motown, mas eu não sabia como fazer pra executar aquilo dentro do meu som, não sabia como juntar. Nesse disco eu já consegui chegar mais perto do resultado que eu imaginava.
As músicas do disco novo parecem mais densas, intensas. Há uma explicação para isso?
- Não tem explicação racional, só posso supor, assim como todo mundo. Também concordo com você. Não sei objetivamente, mas eu atribuo ao tempo, a gente vai se descobrindo ao passo que fica mais velho, vai descobrindo do que gosta, o que é influencia mais externa, o que é passageira.
Há um clichê no rock que diz que à medida que as bandas crescem elas amadurecem e suavizam o som. Com você foi o contrário, ta mais pesado que os outros.
- Hoje o som pesado pra mim ta associado a outras coisas. Som pesado pra mim quando eu era mais nova era guitarra alta, distorcida e rápida. Eu descobri que não é apenas isso, peso tem a ver com densidade, com elementos, com timbre, tem a ver com a mixagem da música, a ordem que você coloca os elementos, camadas, você pode fazer uma música muito mais pesada se você tiver várias camadas sonoras. Nesse disco eu experimentei muito as texturas, em todas as músicas tem uma camada de som que você não identifica a primeira vez que houve, mas ela está lá, pra fazer essa parede, isso faz com que a música fique mais densa. Foi um lance que eu saquei escutando coisas como TV On The Radio, Last Shadow Puppets, Scarlett Johansson, escutando as músicas deles eu pensava que aquilo não era necessariamente pesado mas é denso pra caramba. Por que, como? Ai eu fui pesquisar como eles faziam isso e descobri o lance das texturas, das camadas diferentes. E as bandas influenciaram de uma forma sutil, porque dificilmente quem ouve meu disco reconhece essa influência, mas tá ali. Você pega um pouco de tudo que ouve. Eu acho esse disco bem foda em termos de textura.
Você possui muitas letras confessionais. Parafraseando o filme “Quase Famosos”, é preciso ter vivido uma situação para escrever sobre, é preciso sofrer por amor pra escrever sobre isso?
- Depende. Tem gente que consegue captar a dor do outro sem nunca ter vivido e tem gente que só sabe escrever sobre coisas que sentiu. Eu me encaixo na segunda opção. Eu não tenho a sensibilidade de outras pessoas sentirem, tipo o Chico Buarque que escreve de uma forma feminina, mas ele não é mulher. Ele consegue captar a parada. Eu não tenho muito isso, me expresso melhor sobre coisas que eu senti, por isso fica bem confessional. Eu costumo escrever muito em primeira pessoa, e talvez isso seja um reflexo do ter que sentir para escrever. Já tentei, como exercício, escrever em terceira pessoa, escrever sobre um fato isolado. Ainda tô nesse exercício, quero descobrir outras formas de escrever, mas até então minha melhor forma de expressão tem sido a respeito de coisas que eu senti.
Então, se você escreve sobre as coisas que realmente sente, falando da música que abre o disco, “8 ou 80″, você se diverte mais com os culpados? Você também é uma culpada? O que é ser um culpado?
- Totalmente, me divirto mais com os culpados. O que eu escrevo é muito verdade, são confissões. O refrão de 8 ou 80 foi uma conclusão que cheguei que as pessoas que eu mais me dou bem são aquelas que não são convencionais perante a sociedade, que não agem de acordo com todas as regras, os marginais. Eu me identifico com eles, com os malditos, é pra eles que eu olho com admiração, tipo “achei minha galera”. Claro, eu consigo conviver com os inocentes, mas acho que eles são muito inofensivos, o fato de ser inofensivo não cria em mim uma fascinação tão grande quanto as pessoas que vivem de forma marginal.
Dá pra dizer que escrever é uma terapia pra você?
- Totalmente, é minha maior terapia e no momento a única, desde que eu me entendo por gente, desde que aprendi a escrever, eu soube que isso me fazia muito bem. Começou de forma bem cotidiana, de ser menina e ter um diário, aos 8 anos de idade. Com o tempo isso foi evoluindo, a escrita foi ficando cada vez mais profunda e reveladora e mais com caráter aliviador pra mim. Durante muito tempo, até hoje, eu consigo resolver coisas no papel que eu não consigo resolver na vida real. Elaborando essas questões a meu respeito e às coisas à minha volta no papel eu consigo olhar pra elas com um distanciamento que é saudável pra mim, é como se tirasse isso de mim e observasse de fora e me entendesse um pouco mais.
Falando especificamente do primeiro single, “Me Adora”, quando você tocou ele no mesmo show em São Paulo fez meio que um desabafo, falando que algumas pessoas tinham reagido mal a talvez a musica mais diferente que você gravou até hoje. Rolou isso de fã não entender?
- A aceitação foi maior que a não aceitação. Ela é uma música que tem suas peculiaridades dentro da nossa carreira, é diferente do que a gente tinha feito, tem um refrão com um palavrão, óbvio que ia causar uma reação desagradável em algumas pessoas. Não é uma canção fácil, apesar de ser muito pop e melódica, mas é um pop estranho, tem suas arestas, não é macia, não desce redondo. O que rolou de não aceitação é que alguns fãs antigos são muito radicais, querem que a banda continue sempre a mesma coisa, tem saudade do que a banda fez no primeiro disco, e é normal esse tipo de gente existir. Acho que, na verdade, é a maioria das pessoas, que querem que as coisas continuem do jeito que elas conhecem, a mudança traz desconforto. Mudança é você lidar com o novo, é pensar tudo de novo sobre uma coisa, então muita gente teve que repensar a nosso respeito. Isso traz um conflito, mas é pro bem. É bom que as pessoas que gostam da gente se acostumem porque eu sou inquieta pra caralho e nunca vou conseguir fazer o mesmo sempre, então se eles têm essa expectativa é melhor gostar de outra coisa que vai ser sempre igual, que eles vão se decepcionar menos. Porque eu acho que mudança é sempre positiva, é sempre pra frente. “Me Adora” trouxe tanta coisa boa, pra gente foi tão bacana ouvir pessoas que nem gostavam do nosso som e falaram “agora sim, agora bateu”. Pessoas mais velhas que têm outras referências, que não são as mesmas de um moleque de 14 anos. Galera mais nova vai reconhecer isso daqui um tempo, eu sei porque quando eu tinha 14 anos eu também não conhecia, eu conhecia Dead Kennedys e Bad Brains e achava que aquilo era tudo na vida. É 80%, mas não é tudo. Teve mais benesses que coisas ruins. Valeu a pena comprar essa briga.
E você já falou que, além de ser uma música de amor, ela também é uma música pra crítica musical. Teve alguma crítica especifica em todo esse tempo que te incomodou demais, que essa música seja uma resposta?
- Não é pra nenhum fato específico, não foi pra um jornalista específico, mas na real “Me Adora”, quando aplicada a essa circunstância, é um resumo de tudo que aconteceu desde o começo até hoje. Foi meu jeito de observar todas as vezes que a gente foi criticado de maneira completamente superficial e leviana, até o fato de você se deparar com a preguiça mental de um monte de gente que tá ali pra resenhar sua obra mas que não tá muito preocupado em descobrir qual a parada, tá a fim mesmo de te colocar no mesmo balaio da nova geração do rock e tal, tá na mesma época é tudo igual. Existe gente que vai resenhar o disco e ouve cinco segundos de cada faixa só porque é um trabalho, ele tá ali sem vontade, e acha que já tem opinião pra falar sobre aquilo. O grande negocio é aprender a lidar com isso. Por que ao mesmo tempo tem outra galera que ouve com cuidado e que por mais que não goste do som consegue sacar o que tem de bom e ruim ali. E eu dou muito valor às críticas construtivas, é bacana ter a visão de fora. O que eu mais gosto nesta música, voltando, é o duplo sentido, é o fato de que ela é um mistério, ela pode ser aplicada a tudo isso e a mais n situações que você pensar.
E qual foi a experiência de gravar o disco com uma câmera registrando tudo, teve desconforto?
- Desconforto nenhum, mas só pelo fato de que o (Ricardo) Spencer é um amigo íntimo há muitos anos, não era um cara com uma câmera, era ele, nosso brother, que eu conheço desde que tenho 15 anos. Então o conforto e tranqüilidade vêm disso, e de confiar nele totalmente, de saber que as coisas que ele vai captar são condizentes, eu conheço ele enquanto cineasta e sei das referências dele, que são iguais às minhas, então tem uma confiança enorme no trabalho um do outro.
Quem te chama atenção no rock brasileiro independente hoje em dia?
- Tem muita gente legal fazendo coisas no underground, e eu acompanho porque são todos meus amigos. Muita coisa fico sabendo por causa do Fabrício Nobre, essa galera que tá sempre fomentando a cena, e são todos meus amigos desde aquela época. Das bandas novas eu sou completamente apaixonada pelo Macaco Bong, acho um absurdo os três no palco, Bruno (Kayapy) é o Hendrix da minha vida. Gostei muito do Black Drawing Chalks, de Goiânia, ouvi umas músicas na internet. De banda novíssima essas duas, gosto muito do Vanguart, curto muito o primeiro disco. Tem o Instituto que eu acho massa, eles tem uma noite de dub que você vai e dança a noite toda. As coisas tão rolando, e a distância da visão das pessoas e realidade ao meu respeito é muito louca, a banda deu certo e hoje eu tenho a oportunidade de tocar no programa da Hebe, mas as pessoas não sabem que eu continuo andando com a mesma galera, continuo indo ver show aqui na Augusta.
Você acha que rock no Brasil é gueto?
- Ainda é gueto, mas acho que já foi mais. Pra deixar de ser, a própria galera que faz rock tem que perder um pouco o medo de se deparar com as coisas mais populares. Sinto que o pessoal tem muito medo, toda vez que aparece uma oportunidade mais popular pra fazer, tem medo do que vão falar, de “se eu for em tal programa vão achar quer eu não sou mais rock”. Tem que se desprender dos medos e ser a mesma banda no Inferno ou na Virada do Ano na Paulista.
Bateu esse medo em você quando saiu do independente de Salvador?
- Bateu e bate. Por que eu sei que a visão das pessoas fica meio turva quando você vai pra grande mídia. A gente precisa da grande mídia pra divulgar o nosso som, mas às vezes ela não tá preparada pra divulgar esse tipo de som. Rola um certo desconhecimento, desse tipo de segmento, então acaba te juntando com um monte de coisa que é nada a ver. Claro que bateu o medo, e bate até hoje. Muitas das coisas que eu não fiz na minha carreira foi por causa desse medo, de ser confundida, tipo “se eu fizer isso aqui eu sei que vou falar pra um monte de gente, mas uma galera que curte rock vai achar que agora zoou mesmo”. Então são muitas escolhas. Tenho consciência de que a galera que olha pra gente hoje só sabe das coisas que eu fiz, não sabe das que eu não fiz, que eu disse não.
Pra que você disse não?
- Fazer playback em todos os programas de televisão que você possa imaginar, e isso é só um exemplo que lembrei agora. Fomos constantemente convidados a fazer playback, e eu sempre recusei com cuidado pra não parecer presunçoso, eu achava que não ia ser bom pra gente. Foi uma opção que eu nunca quero que soe arrogante. Disso até recusar posar nua por muito dinheiro.
Chegou a ter convite pra posar nua?
- Chegou, mais de uma vez, e eu optei pelo não, porque dinheiro não é tudo. Eu ia ganhar muita grana, mas não ia nem conseguir usar ela depois de tanta vergonha
Entrevista retirada do Site: http://colunistas.ig.com.br/tiagoagostini/2010/02/01/entrevista-pitty/
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